Mahmoud Baydoun ficou conhecido na mídia por sua passagem no Big Brother Brasil 18, da rede Globo, mas, com o tempo, ele deixou a imagem de ex-participante de reality show no passado para se tornar uma potência no mundo da sexologia, acumulando quase 5 milhões de seguidores nas redes sociais.
E em um papo exclusivo com a Privacy News, ele conversou sobre sua carreira, os tabus da sexualidade no Brasil, padrões de relacionamentos, representatividade LGBTQIAPN+ e muito mais.
Carreira
Nascido no Brasil, Mahmoud veio de uma família de imigrantes libaneses e passou parte de sua infância/adolescência no país do Oriente Médio. Após retornar para terras brasileiras e participar do BBB, Baydoun intensificou o investimento em sua carreira como sexólogo, mas encontrou algumas dificuldades na hora de se especializar no assunto, o que o incentivou a estudar na Europa e nos Estados Unidos.
“No Brasil não tem doutorado específico em sexualidade. Eu adoraria estudar no Brasil, numa federal”, disse ele. “Mas eu queria fazer um doutorado específico em sexologia, não estudar sexualidade a partir de outra disciplina”.
“Lá fora existem cursos de pleasure-based sexual education, que é um outro tipo de educação sexual, já que ela é baseada no prazer. Aqui no Brasil ainda não tem muitos cursos que capacitam o profissional para isso”, adicionou.
“Outro fator que me levou para os Estados Unidos é que no Brasil falta muito conteúdo, formação e um preparo para trabalhar com pessoas trans. Aqui é muito focado só na transição, na disforia de gênero, na redesignação e elas não são só isso”.
Missão
Inclusive, para acabar com esses problemas, o maior objetivo de Baydoun, que além de terapeuta, atualmente dá palestras e aulas ao vivo sobre educação sexual, é desenvolver um curso profissionalizante sobre sexologia no Brasil.
“Eu quero montar uma pós-graduação com tudo que sei de uma sexologia baseada na evidência – tendo estudado no Brasil, na Europa, nos Estados Unidos – e formar cinco mil sexólogos. Trazer essa multiculturalidade e dar esse preparo para os profissionais de forma acessível, online”, afirmou ele.
Mahmoud destacou a importância de profissionalizar pessoas para falar sobre sexo, ainda mais hoje em dia, onde há muitos “especialistas” nas redes sociais que são considerados figuras importantes da área, mas nunca estudaram sobre o assunto.
“Tem muita gente que produz conteúdo sobre sexualidade e relacionamento no Brasil, mas não teve um preparo, não teve a formação em sexologia, então eles vão partir das próprias experiências sexuais pessoais e isso é um grande erro”, apontou.
“Você não pode levar suas experiências sexuais para o seu consultório, para o seu trabalho, porque o que você gosta e o que te dá prazer é muito diferente do outro. Você tem que ter as técnicas e as ferramentas para ajudar essa pessoa a saber o que dá prazer para ela, o que a move sexualmente, o que ela quer, que tipo de relacionamento é melhor para ela”.
Sexualidade no Brasil
Baydoun também comentou sobre como a sexualidade é tratada no Brasil e sobre como esse tópico ainda é considerado um tabu pela sociedade brasileira, apesar do ato sexual ser abordado abertamente na mídia.
De acordo com Mahmoud, quando o assunto é relações sexuais, as culturas latinas têm um grande foco no sexo hétero e “convencional” – onde se espera que o homem e a mulher tenham um “papel” – o que acaba impedindo um aprofundamento nas questões que envolvem fetiches, particularidades e saúde sexual.
“É muito mais fácil você falar de sexualidade no Brasil do que em outros países, porém, nem tudo sobre a sexualidade é discutido”, apontou. “Se vai para outros assuntos um pouco mais profundos na sexualidade, como: ‘Sabe o que vai melhorar a sua sexualidade mesmo? Você não ser ansioso, focar nas suas sensações naquele momento, não se estressar no trabalho’, as pessoas já não têm muito interesse”.
A sexualidade nas relações heterossexuais
Como resultado, definir o “papel” da mulher e do homem no sexo também reforça os estereótipos sobre eles fora da cama, limitando suas atitudes e ditando como eles devem se comportar em uma relação.
“Ensinaram para a mulher que emoção é coisa feminina, que ela tem que ser emotiva, chorar, expressar tudo o que sente, mas ela não pode expressar o tesão, porque é ‘feio’, ‘não é coisa de mulher’”, comentou Mahmoud. “E aí ela vai casar geralmente com um cara que foi o contrário – que foi ensinado que chorar não é coisa de homem, que tem que engolir o choro, que tem que ser macho – mas que pode vivenciar a sexualidade dele”.
Outro tópico que interfere fortemente no comportamento dos casais atuais é o quanto eles são influenciados a se relacionar através da monogamia. Como esse modelo de relacionamento não é necessariamente o ideal para todos, isso acaba gerando frustração em algumas pessoas.
“Os homens e as mulheres que se casaram na década de 80 e 90 não tinham uma representação midiática de outros modelos de relacionamentos. Por isso, acabaram se espelhando muito no único que existia – e você que ouse querer ter outro tipo de relação”, adicionou.
“Nós, seres humanos, precisamos de afeto e amor, é uma necessidade humana básica, mas não existe apenas o amor romântico de um relacionamento monogâmico, existem outras formas de amor”, apontou. “Cada pessoa ama e sente prazer e desejo de forma única e singular, só que temos esse roteiro cultural que é imposto”.
A sexualidade nas relações homossexuais
E Baydoun deixou claro que esse “script” não é imposto somente para os casais heterossexuais. Muitos gays também sofrem indiretamente para se encaixar no estereótipo que é reforçado pelo machismo, onde o homem deve ser mais ativo sexualmente.
“Na comunidade gay também há um roteiro que é imposto em nós, que é você pegar todo mundo”, afirmou ele. “Não nos permitimos viver o script deles, que é desenvolver uma intimidade primeiro, conversar, trocar afeto, para depois fazer sexo”.
“A maioria dos lugares que homens gays usam para conhecer outras pessoas são aplicativos de pegação, saunas, festas. E eu não estou falando que isso é errado, mas passa a ser errado quando é a única alternativa. Se você fala, ‘não quero fazer isso’ ou ‘não quero dessa forma’, é porque você está ‘fazendo cerimônia’”.
“Também tem que existir em grande escala gays que se reúnem para jogar um esporte, conversar, sem finalidade sexual”, concluiu.
Representação LGBTQIAPN+
Para concluir o papo, Mahmoud falou um pouco sobre representatividade LGBTQIAPN+. Apesar de ser um integrante com muito orgulho da comunidade, Mahmoud acredita que ser um representante dos homens gays é uma responsabilidade muito grande, já que isso não respeita a individualidade de cada um deles.
Inclusive, ele reforçou que, por mais que as pessoas possam se sentir representadas por uma sigla, elas não devem se limitar à ela.
“Toda a ideia da luta e do ativismo é falar: ‘Existem outras orientações sexuais, outras sexualidades, para além da heterossexualidade’”, disse ele. “Eu acho que as siglas são muito importantes, porque ajudam as pessoas a se encontrarem, mas muitas vezes o indivíduo acaba se limitando à elas”.
“O que nos une é a nossa orientação sexual, algumas experiências de preconceito por causa dela ou do nosso jeito de ser, mas existe uma coisa que a gente chama de ‘interseccionalidade’ – nós somos formados de várias identidades”, continuou. “Eu não sou só gay, eu sou gay, eu sou sexólogo, eu sou libanês, eu sou brasileiro, eu tenho muitas identidades e, às vezes, não é a minha identidade baseada na minha orientação sexual que tá à flor da pele”.
“Cada um representa a si, é a individualidade de cada um. Eu acho que essa tem que ser a próxima etapa da luta, que cada um veja sua individualidade e que a gente seja além da nossa sexualidade”.